O BRASIL DEPOIS DE D. JOÃO

Os treze anos em que D. João permaneceu no Brasil foram não só o período da internalização da metrópole, mas também o de internacionalização da colônia. Embora os dois conceitos deem destaque a questões diferentes, na prática eles se combinam.

Uma das primeiras evidências das mudanças ocorridas foi a criação de uma máquina burocrática estatal, tanto porque se impunha a continuação da gerência da coisa pública, quanto para dar condições de sustento a vários dos que acompanharam a família real no seu exílio tropical. A nova sede da Corte, a cidade do Rio de Janeiro, assiste à transplantação de estruturas administrativas até então só existentes em Lisboa, como, por exemplo, a Mesa do Desembargo do Paço e a Mesa de Consciência e Ordens, bem como a criação da Impressão Régia, quando, até aquele momento, no Brasil, se havia controlado a circulação de livros e impedido a existência de qualquer impressora.

Ocorre também o surgimento de novas instituições ligadas à conjuntura de guerra que se vivia, como, por exemplo, o Conselho Supremo Militar, a Academia Real Militar e a fábrica de pólvora.

Paralelamente, para fazer frente às necessidades de aparelhamento de uma cidade que crescia enormemente – pelas estatísticas disponíveis, a vinda da Corte fez a população do Rio de Janeiro crescer em vinte e cinco por cento – e que, sendo a sede de uma das mais antigas monarquias ocidentais, precisava se vestir "à europeia", foram criados também o Museu Real, a Biblioteca Real, o Teatro Real, o Banco do Brasil , bem como um imposto específico – a décima urbana – calculado sobre os rendimentos reais ou potenciais dos prédios urbanos, para socorrer as dificuldades financeiras que a Coroa então enfrentava.

As necessidades de abastecimento então colocadas, a obediência à convenção secreta com a Inglaterra sobre a vinda da família real para o Brasil e a necessidade de obtenção de recursos financeiros para o Estado impuseram a quebra do monopólio que havia sempre marcado a relação entre a metrópole e a colônia, consubstanciado na abertura dos portos brasileiros ao comércio com "as nações amigas", mesmo que a ideia de monopólio ainda se mantivesse entre alguns grupos, como se pode verificar numa petição dirigida ao príncipe regente.

A ajuda inglesa à preservação da Coroa portuguesa permanecia, entretanto, necessitada de um reconhecimento mais efetivo, ainda que, para ambos os países, ficasse melhor que isso fosse considerado um ato de graça real, situação que enobrecia tanto quem gratuitamente havia socorrido, quanto quem livremente recompensava tal ação. Não tardou, entretanto, que a generosidade dos antigos aliados fosse respondida com gratidão real, expressada por meio de um tratado que não só proclamava a amizade que reinava entre as duas nações, mas que concedia um tratamento privilegiado à importação de mercadorias inglesas.

A conjuntura muito especial que, inclusive, já havia causado o fim do monopólio, determinou também a revogação da proibição de manufaturas no Brasil, instaurada por um alvará de D. Maria I. Fica claro, entretanto, que mais que isso, havia por parte do Estado português uma preocupação com o desenvolvimento do Brasil. O mesmo desejo de desenvolvimento econômico explica o recurso da importação de mão-de-obra estrangeira, seja para colonização, seja para domínio de técnicas específicas, como a do plantio do chá, para o que foram trazidos agricultores chineses.

Havia, também, uma evidente preocupação com a melhoria das condições de habitabilidade (1, 2 ) da cidade do Rio de Janeiro. Não por acaso é sobre a mesma cidade que surge o primeiro documento cartográfico gravado no Brasil.

Do ponto de vista diplomático, o período do governo de D. João no Brasil é marcado por intensa atividade visando manter posições, assegurar direitos e configurar alianças. Depois da declaração de guerra à França e da conseguinte retaliação à invasão de Portugal por igual ação portuguesa na Guiana, quando da reorganização da situação europeia no Congresso de Viena, D. João aproveita para resolver os tradicionais problemas de fronteiras entre o Brasil e a possessão francesa. Da mesma forma, a pretexto de garantir a estabilidade no sul do país, invadiu o território do atual Uruguai, o qual desocupou por direta intervenção britânica, adiando a anexação ao Brasil.

A elevação do Brasil a Reino Unido ao de Portugal e Algarves faz parte da mesma estratégia de garantir melhores condições de negociação à Coroa portuguesa, que prossegue com a política de casamento entre D. Pedro e D. Leopoldina, princesa austríaca.

Apesar de todos os seus esforços, Portugal foi forçado a assumir, desde os tratados de 1810, o compromisso de ir diminuindo o tráfico de escravos. Essa questão, crucial para uma nação cuja maior fonte de riqueza era exatamente gerada numa terra onde o trabalho compulsório era absolutamente predominante, foi sendo adiada o quanto se pôde, e a continuação de descumprimentos dessa interdição ocasionou uma série de discussões entre portugueses e ingleses, em que os primeiros queixavam-se dos prejuízos causados pela apreensão de suas embarcações pelos últimos.

Em 1815, quando também se realizava o Congresso de Viena, a situação complicou-se ainda mais, sendo Portugal levado a assinar um tratado que proibia o tráfico ao norte do Equador.

No cotidiano da Corte, nascimentos, mortes, aniversários e casamentos se comemoravam publicamente e em diversas partes do Brasil. Assim, enobrecia-se a monarquia e, em última análise, os seus súditos, e também construía-se uma ideia de aproximação entre esses mesmos súditos e seu monarca, numa relação quase familiar.

A maior das comemorações foi, sem dúvida, a aclamação de D. João como rei, marcada por festas públicas profanas e religiosas.

No entanto, não só festas e agrados da população marcaram o governo de D. João no Brasil. Havia também quem o criticasse, quem não reconhecesse sua autoridade soberana, como foram os casos de índios no Paraná, e os revolucionários de 1817, em Pernambuco.