BNDigital

Coleção Nelson Werneck Sodré Inventário Analítico *

04 maio 2014

Apresentação

Cumpre-nos discorrer sobre Nelson Werneck Sodré e, de chofre, questionar qual medida dar ao seu nome? Em que estatura conformar sua natureza? Não é muito fácil chegar a este justo equilíbrio. Se ainda, nesses tempos lúgubres, temos noção de algum valor de cidadania, liberdade e nacionalidade, então, todo aplauso ao inventário da Biblioteca Nacional.

Nascido em 1911, de um século vaidoso, Nelson Werneck Sodré cresceu vendo inúmeras revoluções militares marcharem ante seus olhos juvenis. Há problemas! Opta pela vida militar, vira artilheiro, mas torna-se temido por uma outra arma que o seduz desde cedo: a Literatura. Sua pena, inflexível e incisiva, tornou-se dialeticamente modelo para toda uma geração nacional. E aí ele começa a exprimir e desvendar um Brasil escondido e grave. Como militar defende, como escritor acusa e, juntando-se um ao outro, brilha seu amor pelo que é nosso. Sua influência espalha-se. Seus livros esgotam-se. Nelson jamais afrouxará as amarras de seu carinho por tudo que seja brasileiro.

Nessa dicotomia profissional, ele encontrará a unidade que fará a estrada de sua longa e consagrada vida: o amor pelo Brasil. Escreveu mais de 50 livros, conferenciou país adentro e mundo afora, foi crítico literário, conferencista, memorialista, foi preso, vilipendiado, insultado, calado, mas tudo isso foi pouco, muito pouco, pelo ardor com que defendia as coisas pátrias. Foi por contentar seu predileto prazer de ler, que ele, em pouco tempo, brinda-nos com um livro, cujo assunto comum a várias penas nos chega com ótica que era só dele: História da literatura brasileira, estudada sob fundamentos econômicos. Algo novo na praça. Quem é esse? Qual não deve ter sido, naqueles sombrios anos 30, o prazer do leitor brasileiro ao se deparar com obra tão suigeneris! Nelson oferece uma interpretação inteiramente nova dos fenômenos de nossa evolução cultural. Nelson tornava-se conhecido. E a literatura honrada. Tão honrada que, no cinquentenário da morte de Machado de Assis, ele
é convidado a juntar-se aos maiores críticos literários do século brasileiro. Ele avança seus estudos e já se vê ensinando em escolas militares onde, há pouco, era aluno. Ele cresce, ele se expõe, ele luta, ele defende.

Porque somos obrigados a honrar bandeira, símbolos e brasões nacionais e, ao mesmo tempo, entregar aos outros as riquezas que o Criador aqui colocou e não lá? Define-se galhardamente contra as forças reacionárias e entreguistas. Os elogios cessam. Claro!!

Nelson continua escrevendo, ensinando, se multiplicando e, como é praxe, em nosso país, começa a ser perseguido. Foge, se esconde, é preso. Há problema! Ah, fôssemos declinar aqui a lista dos grandes brasileiros que passaram por tais pegas!

Muito haveria de se falar sobre suas vicissitudes militares e suas lutas políticas. Ele foi incansável. Como militar, jamais reclamou, jamais pediu ou interferiu, cumpria ordens! Como civil, ensina a todos como amar e conhecer o Brasil. Um símbolo! Seu BBB era outro, era a Biblioteca Básica Brasileira que ele difundia e ensinava.

Jovem leitor, essa longa vida de Nelson Werneck Sodré você poderá sentila, estudá-la e usufruí-la no acervo que, agora, em publicação material, a BN disponibiliza. São fotos, cartas, mapas, sínteses, conferências, livros, convites, estudos, conclusões etc. Tudo ao seu alcance. Não perca essa oportunidade de se espelhar num grande exemplo. Conhecê-lo e estudá-lo vale uma vida. Enobreça-se!

Mas, aqui, humildemente, cumpre-nos ainda chamar atenção para elemento de rara beleza que aflora em sua obra: o discernimento. A leitura diuturna e vasta pode se tornar improdutiva e inócua se não construída com método. Analogias, conclusões só afloram no espírito do leitor (e nos fazem bem!) se feitas com método. Elas passam a exercer em nossa vida social fundamental importância para o discernimento. Taí o leitmotif de toda obra de Nelson: o poder que ela nos dá de discernir, do senso crítico. Discernir, jovem leitor, é perceber, é dispor de recurso para atuar na realidade e não se permitir dominado por ela. Este é o elemento de beleza palmar de toda sua vida. Ele quer-nos sujeitos de nossa própria obra, com sentimento dialeticamente definido para entender, atuar e interferir nesse atraso estimulado e incensado de nossas elites.

Raramente se encontrarão dois espíritos, o militar e o civil, tão fraternalmente unidos, mesmo que no Brasil, das clarividências obscuras, ele tenha se preparado para a guerra e mais influído como paisano.

Com os mesmos postulados básicos que construíram sua vida, vista erguida, Nelson atravessou o século, mantendo sempre a dignidade e a tolerância que sua velhice soube tão bem agasalhar e embalar.

A Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional está de parabéns. Os usuários também. O Brasil agradece.

Marco Aurélio Barroso
Escritor e professor universitário.
Graduado em Língua Portuguesa e Literatura.
Doutor em filologia românica pela Sorbonne (Paris)


Fundo/Coleção: Nelson Werneck Sodré

Datas-limite: 1924-1994

Localização: 32; 67,003; ARQ 1,2; MAP II.

Histórico: Nelson Werneck Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 27 de abril de 1911 e faleceu em 1999. Em 1924 ingressou no Colégio Militar do Rio de Janeiro, passando à Escola Militar de Realengo. Em 1937, começou a freqüentar os meios intelectuais, na Livraria José Olympio, onde conheceu escritores, como José Lins do Rego e Graciliano Ramos. Em 1946 se formou na Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Em 1950 tomou parte nas eleições para a presidência do Clube Militar, integrando a chapa vencedora, favorável ao monopólio estatal do petróleo e à neutralidade do Brasil no plano internacional. Assumindo a direção do Departamento Cultural, foi responsável pela edição da Revista do Clube Militar. Em 1955, apoiou a movimentação do general Henrique Teixeira Lott na defesa da sucessão presidencial pelo presidente eleito Juscelino Kubitscheck, então ameaçada por forças golpistas lideradas por Carlos Luz e Carlos Lacerda. Em 1954, se aproximou do Grupo de Itatiaia, movimento de intelectuais liderado por Hélio Jaguaribe, do qual se originaram o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP) e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). A partir de 1962, dedicou-se exclusivamente ao trabalho intelectual, quando publica a maior parte de sua obra historiográfica. (Fonte: Catálogo Nelson Werneck Sodré, o Homem e a obra, Rio de Janeiro: FBN, 1992).

Forma de entrada: doação

Data: abril de 1995

Origem: o titular.

Conteúdo: obra bibliográfica do titular, fotografias de familiares e pessoas públicas; correspondência enviada e recebida do titular com políticos e intelectuais contemporâneos; artigos publicados, programas de cursos, recortes de jornais e revistas; documentos pessoais; fotografias de familiares e pessoas públicas; trabalhos sobre o titular; fitas videomagnéticas e audiomagnéticas.

Condições de acesso e de uso:

Reprodução: a Fundação Biblioteca Nacional só autoriza a reprodução integral de obras que estejam em domínio público e a reprodução parcial daquelas que, embora protegidas pela Lei do Direito Autoral (Lei 9610/98), não estejam mais disponíveis para compra no mercado livreiro – neste caso, a reprodução é condicionada ao compromisso do usuário de fazer uso estritamente pessoal e de pesquisa. Caberá ao usuário solicitar autorização para consulta ou reprodução de qualquer natureza. Neste último caso, as obras serão previamente avaliadas quanto ao estado geral de conservação física. Cópias xerox não são permitidas. As reproduções serão fornecidas, preferencialmente, em microfilme ou negativo fotográfico preto e branco. Caso a obra desejada já esteja reproduzida, a cópia solicitada será feita a partir da matriz já existente. Se a obra não estiver reproduzida, o serviço deverá ser solicitado em formulário próprio a ser submetido à análise da área de guarda, com prazo de resposta de até cinco dias úteis.

Quantificação: 807 documentos, dos quais 175 são fotografias.

Notas gerais: a coleção inclui ainda 188 livros que foram encaminhados à Seção de Intercâmbio da Biblioteca Nacional.

ANEXO: Inventário da Coleção

* Filipe Martins Sarmento é bacharel em História na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e ex-estagiário na Divisão de Manuscritos/FBN