O descobridor encoberto da Biblioteca Nacional: Alfredo do Vale Cabral
Carlos Otávio Flexa
Bolsista do PNAP-FBN

De estudioso autônomo a funcionário da biblioteca

Alfredo do Vale Cabral chegou ao Rio de Janeiro em 1870 e três anos depois, aos vinte e um anos, ingressou na Biblioteca Imperial e Pública, que se situava à Rua do Passeio, onde atualmente se instala a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O cargo de “bibliotecário” – forma como era chamado o chefe da Biblioteca – era então ocupado por Benjamin Franklin Ramiz Galvão. No período de sua administração, de 1870 a 1882, Ramiz Galvão teve como intento promover uma reestruturação no modus operandi da instituição e considerava Vale Cabral uma das pessoas ideais para essa empreitada — muito possivelmente por conta do Dicionário Bibliográfico Baiano, um entre outros trabalhos inacabados desse estudioso. Dessa forma, em sete de abril de 1873, Cabral foi nomeado adido à Seção de Manuscritos, tendo tomado posse do cargo dia quatorze deste mesmo mês.

O curador do catálogo da Seção de Manuscritos

Entre as “reformas” pretendidas por Ramiz Galvão e que contavam com a participação de Vale Cabral estava a elaboração do Catálogo da Seção de Manuscritos. Galvão chegou mesmo a propor a nomeação de Vale Cabral para chefe daquela seção em ofício ao Ministro do Império, em vinte e um de março de 1873. Durante onze meses, de abril de 1873 a maio de 1874, Vale Cabral foi o homem de confiança de Ramiz Galvão nos trabalhos preliminares de organização daquele setor do Arquivo, numa tarefa de seleção e avaliação do que de importante havia ali. Em 1878 saiu do prelo o primeiro volume do tão alentado catálogo, em edição dos Anais da Biblioteca Nacional, números quatro e cinco. A maior divisão desse catálogo está em Códices do Brasil, de um lado, e os estranhos ao Brasil, de outro. Nos primeiros estão os documentos referentes a este país, suas capitanias, províncias e limites, obras e papéis pessoais de brasileiros, passando por cartas e autógrafos de importantes figuras da política, ciências e literatura.

Segundo nos assegura o historiador José Honório Rodrigues em escrito biográfico de nosso personagem, Vale Cabral é “o descobridor das novidades da Seção, pesquisador por excelência e o grande organizador dos seus acervos. Durante anos ele remexera os papéis históricos revelando o que de mais importante contem o acervo” (grifos nossos).

Em vinte e quatro de março de 1876 foi nomeado oficial e tomou posse em primeiro de abril. Ocupou este cargo até 1882, quando foi promovido a chefe da Seção.

Seus trabalhos

Entre seus vários trabalhos, além do Catálogo mencionado, destaca-se o detalhado Guia do Viajante no Rio de Janeiro, talvez o precursor do que hoje conhecemos como “guias turísticos”. É uma obra muito interessante, pois nela há uma verdadeira exposição do comportamento e dos valores da sociedade da época, assim como do perfil da cidade em seu aspecto urbanístico e arquitetônico. De 1808 a 1822 foram publicados os Anais da Imprensa Nacional, registro descritivo das publicações periódicas da Imprensa Régia, importantíssima para os estudos da literatura periodística, de caráter jornalístico ou não. Outra obra de notoriedade é a Achegas ao Estudo do Folclore Brasileiro. Vale Cabral também colaborou em empreitadas como a Exposição de História do Brasil (1882).

A Gazeta Literária

Trata-se de uma revista quinzenal, projeto de Vale Cabral com Joaquim Teixeira de Melo, com quem trabalhava na Biblioteca Nacional e manteve uma estreira relação de amizade. A Gazeta contou com colaboradores de peso, entre eles Machado de Assis, que escreveu três contos, e Raul Pompéia, que colaborou com outros dois. Pelo que se lê no texto de apresentação publicado no primeiro número, as intenções eram as melhores:

Pretendemos dar á estampa artigos de critica litteraia, alguns ineditos de verdadeira importancia para a historia patria, pequenos romances e contos originaes, impressões de viagem, poesias selectas e artigos scientificos e litterarios de interesse real para o paiz. (Gazeta Literária, Rio de Janeiro, ano 1, n.º 1, p. 1, 1.º out. 1.883. Transcrito mantendo-se a ortografia e pontuação vigente à época.)

Apesar de cumprir suas “pretensões”, infelizmente seu objetivo não logrou sucesso. O periódico teve apenas dois anos de vida, de 1883 a 1884.

A morte prematura

Eis que nos deixa, às oito horas da manhã do dia vinte e três de outubro de 1894, em casa, na Ladeira de Santa Teresa, número dezessete, Rio de Janeiro, aos quarenta e três anos, o “empregado público aposentado”, “solteiro”, Alfredo do Vale Cabral, tendo tido como diagnóstico de causa morte “enterite”.

Embora seu trabalho fosse bem conhecido nos círculos letrados da capital, seu falecimento não foi noticiado pelos periódicos de grande circulação da época, como o Diário de Notícias, a Gazeta de Notícias, e o Jornal do Commercio. Apenas O Paiz do dia 24 de outubro de 1994 lhe fez menção, como se vê abaixo, mas sem lhe dar maior destaque.

NECROLOGIA

Falleceu hontem pela manhã o Sr. A. V. Cabral, chefe de secção aposentado da Biblioteca Nacional.

Funcionario zeloso, inteligente e lhano, conquistou sempre a melhores simpatias de quantos tiveram ocasião de se aproximar delle.

Seu enterro realiza-se hoje, ás 8 horas da manhã, saindo o corpo da ladeira de Santa Theresa, n.° 17, para o cemitério de São João Baptista.

Alfredo do Vale Cabral é uma das figuras mais importantes da Biblioteca Nacional pelas iniciativas inéditas, por sua dedicação e pela qualidade dos serviços prestados. É também considerado por muitos um de nossos grandes estudiosos do folclore brasileiro, e o maior, desse conjunto de manifestações culturais, da Bahia.

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