Memorial que há de servir às ofertas e dons gratuitos feitos à Biblioteca Imperial e Pública.
Sobre a aprovação de artigos regulamentares da Biblioteca.
Região de Lisboa, onde nasceu Frei Arrábida.
Aclamação de D.Pedro I, de quem Arrábida foi preceptor.
Antônio de Arrábida nasceu na cidade de Lisboa, em Portugal, a nove de setembro de 1771. Aos 15 anos, após finalizar seus primeiros estudos, entrou para o claustro do convento de S. Pedro de Alcântara e, pouco depois, foi nomeado bibliotecário do convento de Mafra. Este, construído junto à Basílica e ao Palácio Nacional daquele pequeno município português, parte do distrito de Lisboa, foi por muito tempo residência sazonal da família real, que, durante a regência do Príncipe D. João, passou a habitá-lo de forma permanente. É nesse momento que o príncipe começa admirar o trabalho do frade, chamando-o para ser o seu Conselheiro Real.
Passados alguns anos, a fim de assegurar o poder da Casa de Bragança sobre o grandioso Império luso-americano, D. João aventou a possibilidade de enviar ao Brasil seu filho D. Pedro, que passaria a ser seu condestável, título honorífico que o qualificava representante do príncipe regente no novo continente. A partir dessa ideia, nomeia Frei Arrábida para o ofício de preceptor do condestável, tornando-lhe responsável por D. Pedro e por seus estudos no Brasil. Porém, com a notícia da invasão francesa a Portugal, o frade é comunicado sobre a mudança de planos: o número de passageiros rumo ao Brasil havia aumentado, D. João e toda a família real também partiriam para a América. Ainda assim, Frei Arrábida e D. Pedro viajam no mesmo navio, selando uma fiel ligação que se estenderia por muitos anos.
Após a chegada ao Rio de Janeiro, o frade prefere se instalar no Convento de Santo Antônio a morar no Palácio Real. Assim, apesar da pequena propensão aos estudos, D. Pedro passa a subir constantemente as escadarias do convento para estudar piano e receber conselhos de seu preceptor.
Anos depois, com a volta de D. João VI a Portugal, D. Pedro designou Arrábida ao mesmo posto de Conselheiro que este havia ocupado durante o Império Joanino. Além disso, logo após a independência, em 23 de outubro de 1822, o Frei é nomeado ao cargo de Bibliotecário, passando a acumular o antigo posto de Conselheiro a esta nova função. Arrábida torna-se, portanto, o primeiro Bibliotecário da Biblioteca Imperial e Pública da Corte, título que, apesar de inédito, substituía o de Prefeito da Real Biblioteca, destinado aos principais encarregados pela organização e conservação do acervo documental.
Em 12 de novembro deste mesmo ano, em nome de D. Pedro I, o ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros, José Bonifácio, determina a obrigatoriedade do envio à Biblioteca de um exemplar de quaisquer obras, folhas periódicas e volantes que se imprimissem na Tipografia Nacional. Na época, entretanto, ainda em sua primeira sede, aos fundos do Convento de Nossa Senhora do Carmo, a Biblioteca não tinha as condições ideais para abrigar um acervo tão fértil. Na tentativa de minimizar o problema, Frei Arrábida organiza um Índex da livraria, a fim de melhor dimensioná- la, e um Livro Memorial, em que, a partir do ano de 1822, passaria a registrar todos os documentos recebidos.
Em meio a esse trabalho de ordenação, o Bibliotecário encontra os manuscritos botânicos de frei José Mariano da Conceição Veloso, Florae fluminensis, que havia sido doada à D. João pelo Convento de Santo Antônio, em 1811, após a morte do autor, e, pouco depois, teria desaparecido. A preciosa obra trazia a descrição e os desenhos de mais de 1700 espécies de flora e fauna da região do Rio de Janeiro e São Paulo, coletadas entre 1782 e 1790.
Ao reencontrá-la, Frei Arrábida descreveu em carta solene ao Imperador a emoção sentida e, devido à importância atribuída à obra, solicitou a publicação de seu texto aqui no Brasil, oferecendo-se para as devidas correções de impressão. Em resposta, D. Pedro ordenou a aprovação da proposta e, reconhecendo o zelo do Bibliotecário, determinou que o texto da obra fosse aqui impresso na Tipografia Nacional, autorizando-o a remeter os desenhos a Paris para serem litografados na oficina de Lasteyrie. A direção de todos estes trabalhos ficou a cargo do Bibliotecário, “ por lhe serem louváveis, e muito análogos ao seu patriotismo” .
Em 1825, a impressão da obra começou na Tipografia Nacional do Rio de Janeiro. A reprodução das estampas, iniciada em 1827 em Paris, levou quatro anos e quatro meses para ser finalizada. Quando os últimos fascículos já estavam sendo impressos, D. Pedro I abdica do trono, volta a Portugal e o novo governo brasileiro ordena a suspensão da impressão. Após uma briga judicial, a obra foi, enfim, terminada e, segundo o livro Phitographia ou Botânica brasileira, de Alexandre José Mello Moraes, 500 exemplares foram enviados ao Rio de Janeiro, ficando em Paris os outros 1500, “ os quais, não sendo reclamados, foram entregues não sei a quem, e dos quais salvaram- se algumas coleções; e por fim, se reconhecendo que essas estampas não eram mais procuradas, foram vendidas ou dadas ao chapeleiro que fornecia barretinas (chapéu) para o exército francês”.
Ainda em 1826, D. Pedro I havia concedido a frei Antônio outra prova de sua estima, o título junto à Santa Sé de bispo titular de Anemúria, adicionando-lhe a nomeação de coadjutor do capelão-mor. Posteriormente, o Imperador o nomeou também diretor dos estudos de príncipes e princesas imperiais e o condecorou com a Grã-Cruz da Imperial Ordem da Rosa.
Sua evidente proximidade a D. Pedro I, entretanto, também lhe trouxe alguns problemas, fazendo o bispo de Anemúria passar por situações complicadas durante o período compreendido entre a abdicação desse até a coroação de D. Pedro II. Por conta da amizade com o ex-imperador, Frei Arrábida era mal visto pelos governantes regenciais, o que teria acarretado na ameaça de morte recebida em sua cela do covento, no dia 15 de julho de 1831. Temeroso por sua segurança, acabou por mudar-se do convento na tarde seguinte, permanecendo os três anos seguintes escondido na casa de um amigo, e por pedir exoneração do cargo de Bibliotecário, em 16 de agosto de 1831, perdendo o único vencimento que lhe restava dos cofres públicos.
Somente a partir de 1836, quando uma pensão lhe é concedida pelo legislativo, a situação pública e financeira de Arrábida começa a melhorar novamente. A criação do Colégio Pedro II na corte, em 1837, e o convite para ser o seu primeiro reitor, em 5 de fevereiro de 1838, também impulsionaram a sua reinserção social. Entretanto, a sua saúde começava a se mostrar cada vez mais fragilizada e, com apenas um ano de reitoria, Arrábida solicita sua exoneração do cargo a fim de se afastar da cidade para ser submetido a cuidados médicos.
Incansável, anos depois, o bispo de Anemúria volta à Corte para ser um dos assistentes da coroação e sagração de D. Pedro II e, em fevereiro de 1842, é nomeado mais uma vez Conselheiro, porém, não mais Real ou Imperial, mas sim do Estado Extraordinário. Sua retomada à vida pública novamente seria fugaz, afinal, após três anos, frei Arrábida acaba sendo destituído do cargo, passando a viver sob privações financeiras até os seus últimos dias.
Em meio a uma vida de tantos altos e baixos, Frei Antônio de Arrábida veio a falecer no dia 10 de abril de 1850 em sua cela do convento, lugar que sempre o acolheu.